O que são os Sign Systems na base do UX?
Qualquer sistema é no fundo um sistema de sígnico. O que, a princípio soa como uma máxima pedante, vai se comprovando uma teoria consistente e atualmente não careceria de comprovações. O sistema ser um sistema de signos quer dizer que ele é um sistema que contém como sua principal característica um conjunto congruente de relações com referência a uma regra central, uma lei ou conduta, seja ela inerente (natural?) ou arbitrária; esta congruência é, acima de tudo, a razão da manutenção de sua unidade e a superação da entropia (lei natural do desequilíbrio). Mas afinal, a quê me refiro como “sistema”? Ora, todos os conjuntos de signos que por orbitarem um código alcançam congruência e estase; entre eles, os sistemas operacionais de computadores, o conjunto programático de um jogo online ou muito acima, sistemas legislativos com suas regras e condutas, sistemas educacionais com seus princípios pedagógicos, compostos culturais como subculturas, democracia como sistema político e tantos outros.
O que todos estes sistemas têm em comum enquanto “sistemas” é um conjunto de signos como expressões ou condutas estéticas cuja relação significativa está assegurada por um código central. Poderíamos citar como exemplo a validade da argumentação de processos judiciais que se dá pela aceitação de um código de conduta por parte de uma comunidade com interesse nos resultados potenciais das suas combinações — A lógica está impressa nos próprios termos, afinal, eles seguem o “código” penal ou “código” civil entre outros, que tanto ditam as regras de combinação dos signos quanto definem ou excluem os próprios signos válidos para o sistema. Em outro exemplo, o mesmo valeria para o conceito de democracia como sistema com um código ao qual a política provém os signos (expressões, representações, estética), cuja validade depende do código de conduta historicamente impresso nas cartas magnas dos novos Estados-nação ou em suas constituições. Se observarmos os sistemas digitais, os termos estão ainda mais escancarados; o “Sistema operacional” delimita os signos válidos, cuja operação é determinada pelas leis intrínsecas ao “Código” com o qual o sistema foi programado; a esta relação se dá o nome de “linguagem” de programação.
Esta regra que fundamenta o sistema é o que se chama “código”, e ele possui duas funções principais: por um lado confere sentido às relações entre os signos interiores de um sistema - determinando seus limites e suas aplicações - e por outro lado define suas próprias possibilidades ou potencialidades combinatórias. O sistema é fechado neste sentido, enquanto conserva sua congruência interior, mas a partir disto é um erro terrível supor que algum sistema estará completamente isolado. Nas palavras de Juri Lotman, nas relações do que ele chama de Sign Systems, nenhum destes sistemas poderia funcionar em uma circunstância de isolamento cultural.
None of the sign systems possesses a mechanism which would enable
it to function culturally in isolation. (LOTMAN — Theses on the semiotic study)
Os Sign Systems são, portanto, dispositivos circunstancialmente autônomos, mas seu aspecto mais valioso para o que pretendo apresentar é justamente a permeabilidade de sua constituição; todos os sistemas do mundo são sistemas ‘no’ mundo.
Os sistemas, compreendidos como conjuntos de códigos entremeados, constituem compostos cuja metáfora entre “sistema e código” com “cultura e linguagem” pode ser de grande valia. A cultura, como Lotman coloca, é um sistema de organização de elementos, cujo estabelecimento de suas relações é realizado por meio das linguagens que compõem esta mesma cultura. O cultural como antônimo de tudo que supostamente seja natural é, nesta esteira, uma questão de organização de elementos dispostos no mundo em forma de oposição entre homeostase (cultural) e entropia (natural). Neste sentido que Lotman indica que o mecanismo da cultura é um sistema que transforma o que é de uma esfera exterior em elementos do seu interior; desorganização em organização, em suas palavras “ignoramuses em initiates, pecadores em homens sagrados, entropia em informação”(LOTMAN — Theses on the Semiotic Study)
Segundo esta premissa, os sistemas técnicos apenas poderiam ser compreendidos como “sub-sistemas informacionais”, isto é, “informacionais” porque são princípios organizadores que agem por combinação de elementos segundo um código tornando dados em informação, e “sub-sistemas” porque caem na categoria por Lotman descrita como Sistemas Modelizantes Secundários (Secondary Modelling Systems), ou seja, são sistemas que existem no interior de sistemas anteriores e mais abrangentes, e desta forma operam por metalinguagem.
Transforma “ignoramuses em initiates, pecadores em homens sagrados, entropia em informação
Os sistemas virtuais, como um sistema operacional ou uma aplicação digital qualquer, devem as regras de validação dos elementos interiores a sistemas de organização anteriores que são necessariamente culturais. Linguagem de programação, como sistema modelizante secundário, é uma metáfora da linguagem cultural e seus códigos, e deve ser investigada justamente pela brevidade de suas combinações como sistema fechado, onde a incisão de qualquer fenômeno inesperado imputa em erro ou falha (fatal), não em criatividade.
O desenho de um sistema que não leve em consideração sua condição hierárquica na escala de suas semiosferas, está fadado ao fracasso por um simples fator: o input e output de qualquer sistema apresenta uma inter-face que cruza as duas esferas sígnicas, e como media, mediam dois sistemas que inter-agem ao custo do esforço contido na tradução destes dois sistemas.
Qualquer desenvolvedor deveria sempre considerar que todo código é cego às leis dos outros sistemas, e que há uma hierarquia de precedência entre eles. Acima de tudo, a fluidez desta troca depende da habilidade da inter-face como mecanismo de mediação em prover a mais clara relação de covalência entre os signos interiores e exteriores ao sistema virtual. Mas como se estabelece esta correlação afinal? A boa notícia é que a associação que embasa esta tradução não requer qualquer relação arbitrária, motivo pelo qual o desenvolvimento de qualquer interface é um ato de tradução em sui generis. As relações são covalentes porque embora os códigos que regem o interior dos sistemas como potencialidade combinatória sejam específicos e diferenciados entre estes sistemas, os signos são os mesmos em ambos; as leis da combinação respeitam a linguagem, mas os signos combinados são fenômenos exteriores aos quais todo sistema pode, ao menos potencialmente, fazer referência. E agora deixo a provocação; nenhum sistema está mais ou menos próximo da realidade, e enquanto sistemas, suas únicas formas de validação devem-se à consistência entre a relação dos inputs e dos outputs, afinal, todo sistema (semiosfera) é uma caixa preta.